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Sardinha Pequenina

A Sardinha Pequenina tem como propósito contar histórias de gente real, aliando o poder da palavra escrita à qualidade e originalidade dos produtos. As pessoas reais inspiram-nos!

As Mães

04.07.23

Deus guarda as Mães num sítio especial.

Principalmente aquelas que partem demasiado cedo.

Aquelas que deixam quem tanto precisa delas.

Aquelas que deixam beijos e abraços para dar.

Deus guarda as Mães entre anjos e estrelas.

Num céu branco e azul. Numa varanda brilhante. 

Torna-as eternas guardiãs.

Testemunhas de vidas que se vão desenrolando.

Deus guarda as Mães bem junto de si. Num local privilegiado.

Onde não há dor. Onde não há tormenta.

E daí observam. Cuidam. E rezam.

Escreve quem não tem medo

11.05.23

Escreve quem não tem medo. 

De fazer do texto porta aberta para o coração.

De expor fragilidades, crenças e anseios.

Escreve quem age por amor. E por coragem.

Porque não consegue conter a palavra dentro dos muros de si mesmo.

Porque não consegue viver sem a riqueza do livre pensamento.

Escreve quem se inebria com a textura do papel e a essência do carvão.

Quem imprime o medo no papel. E quem traça os sonhos com tinta colorida.

Quatro Cantos

30.03.23

Estas ruas são estreitas.

Mas nelas cabe o carteiro.

E o funcionário que varre.

Cumprimentam quem passa.

Quem contempla as cores e as formas.

Quem observa a mistura do velho e do novo.

Saberão que estas ruas são velhas?

Tão velhas que têm gravadas mil histórias?

Eu ainda vejo a velha latoaria do Tibita e do Toneca.

Trago em mim os cheiros. E a recordação do espaço.

A loja do Darvim está aberta.

Eu, menina, estou junto à montra a ver as noivas saírem da Igreja de São Pedro.

Na barbearia, junto ao café, apara-se o cabelo e o bigode.

Os vizinhos abastecem-se no talho do prédio Americano.

Lá ao fundo, a Fortaleza. E o mar – aqui tão perto.

Hoje sobra pouco. Sobra a mercearia do João da Galvoa. Resistiu ao tempo.

Nela julgo ver a minha avó com a menina neta de mãos dadas.

Trazem os sacos cheios. E enquanto caminham, vão deixando parte de si nas ruas.

Elas estão gravadas nestes Quatro Cantos - agora tão transformados pelo tempo.

E são, inevitavelmente, parte da minha pele.

Alguém que lhes diga

24.03.23

Alguém que lhes diga que a esmola não satisfaz.

Não resolve. E não cala.

Quem trabalha. Quem tem filhos. E quem tem sonhos.

Alguém que lhes diga que a esmola não satisfaz.

Não apaga a lágrima de quem se vê com pouco.

Não silencia o grito da fome. E não faz desaparecer o desespero.

Alguém que lhes diga que a esmola não satisfaz.

A criança a quem não se pode dar mais.

O jovem que trabalha e que quer um mundo justo.

O velho reformado que quer viver com decência.

Alguém que lhes diga que a esmola não satisfaz.

Só a paz. A justiça. E a dignidade.

Bem-vinda Primavera

20.03.23

Após a chuva. Após o frio.
Chega a cor e o perfume. Regressa o chilrear dos pássaros.
O bater das asas das borboletas. E o tão esperado calor do sol.
É hora de semear boas energias. Fazer crescer sorrisos.
E colher paz interior.

Que esta Primavera - que hoje começa - aqueça o nosso coração!

Alexandra

25.01.23

Há gente que não sabe. Nem sonha.

Que tem o sol dentro do peito.

Que os seus olhos são casa.

E o seu sorriso aconchego.

Há gente que não imagina a leveza que tem.

Ou poder dos seus gestos.

Há gente que caminha por aí.

Despretensiosamente

Olhando os outros nos olhos.

Fazendo-se presente.

E tornando o outro presente. Só porque o viu.

E sorriu. Cumprimentou. Agradeceu.

Mamã: qual é o teu sonho?

17.10.22

Ela perguntou: "Mamã, qual é o teu sonho?"

Olhei para o seu rosto risonho e para os seus olhos curiosos.

O que deveria eu responder? Que exemplo poderia eu dar?

Já tive vários sonhos. Foram moldados ao longo do tempo.

Fiz e refiz vários objetivos. Rasurei projetos. Construí novos planos.

Mas, quando ela me inquiriu, soube que eu devia - e queria - ser exemplo.

Por mim. Por ela.

Para que ela saiba que dentro de um coração de mãe, cabem todos os sonhos do mundo.

Para que ela saiba que um coração que deseja muito pode tudo. 

Respirei fundo e contei-lhe um segredo.

Sorriu. E prometeu discrição.

Não sabe que lhe dei um pedaço da minha alma para guardar junto do seu coração pequenino.

Para fazer dos meus sonhos, combustível para os seus.

Essa gente

13.09.22

Gosto de gente desalinhada. Que teima em desenhar as suas próprias rotas. Que dança pela vida. Que canta em dias de chuva. E que se emociona com gestos simples.  

 

Gosto de gente que surpreende. Que, por parecerem ser nada, são tudo. Pelo que são. Pelo que dão.

 

Gosto de gente com voz. Com alma. Com mente irrequieta. Gente que é gente. Que faz da sinceridade coluna vertebral. E da valentia o compasso do coração.

 

Gosto de gente de sorriso fácil. De lágrima honesta. De olhos que falam. Gente que grita. Que sorri. Que chora. Que erra. Que beija. Que abraça. Que perdoa.

 

Gosto de gente cujos pedestais são feitos de respeito dos outros. Construídos com o carinho daqueles que conquistaram. Certamente essa gente, que é gente especial, vive mais perto do céu por fazer a diferença na terra.

Dia de todos os Santos

02.11.21

Há um local onde posso estar contigo.

Onde só tu, no silêncio, me escutas.

Onde, sabendo que não estás, te julgo encontrar sempre.

A tua casa deixou de ser nossa.

E por isso tive de te procurar em outro local.

Percorri um longo caminho até finalmente te encontrar.

Revi a minha perspetiva sobre o chão que encerra histórias.

E, pouco a pouco, comecei a encontrar algum significado para a terra.

Para as pedras. Para as flores.

 

Quatro muros encerram o teu fim.

Guardam a tua história e a história de tanta gente.

São antepassados. Partes de nós.

Pergunto-me se cada lágrima lá deixada, entre quatro muros, chegará até eles.

Até ao céu. Onde, certamente, ouvem os murmúrios e as preces.

 

Olho para os rostos que se cruzam comigo.

Que, num ritual mágico, transformam saudade em flores.

Que tombam sobre lápides.

Que choram por quem já se foi.

Naquele terreno árido, onde poucas flores ousam brotar, descobri que há muito de nós.

De todos nós.

E que as perspetivas sobre locais e tradições podem mudar.

Assim o obriga a vida.

 

É bom saber-te em algum local.

Tempo contado

04.06.21

Tivesse eu mais tempo contigo e aquele passeio seria mais longo.

A chávena do café ia demorar até chegar aos lábios. 

Iria observar com mais cuidado todos os teus gestos.

Todas as tuas expressões. As tuas rugas. O teu sorriso.

 

Tivesse eu mais tempo contigo e deixaria ficar a minha mão na tua.

Para sentir os teus dedos. Para sentir o teu calor.

Iria memorizar cada linha da tua mão. Saberia desenhá-las.

Apertaria a tua mão com força enquanto sorrias para mim. 

 

Tivesse eu mais tempo contigo e dir-te-ia tudo o que ficou por dizer.

Escutaria os teus conselhos sobre tantos assuntos que gostaria de ter discutido contigo.

Perguntaria qual o segredo do arroz de pato.

Perguntaria tudo sobre nódoas difíceis.

E ia deixar-te falar. Sobre coisas banais. Sobre coisas importantes. 

 

Tivesse eu mais tempo contigo e abraçar-te-ia mais.

Para que eu pudesse memorizar o teu cheiro.

Para que eu pudesse sentir o teu coração.

Para que tu também pudesses levar mais de mim contigo.

 

Mas o tempo foi curto. Muito curto.

O tempo estava contado e nós não sabíamos.